A Bruxa (2015): terror sem escândalos e gritarias

Avessa a convenções do gênero, a produção escrita e dirigida por Robert Eggers, se apresenta como um terror criativo, que agrada por sua maneira única de causar medo e desconforto

A Bruxa não é nada disso que você estava esperando. Basta olhar a cara da protagonista para saber!

Antes de iniciar essa leitura, vamos te alertar: A Bruxa não é um filme convencional. Dito isso, vale a pena lembrar que o gênero de terror tem apresentado muita qualidade nos últimos anos, justamente por ser mais experimental. Franquias como Atividade Paranormal, Sobrenatural e outras baboseiras envolvendo exorcismo -para mencionar as mais recentes, que orquestram sua narrativa com base em sustos fáceis (tipo esconde-esconde), trilha sonora eloquente e montagem nada inventiva, deixaram de surpreender o público. Filmes como Invocação do Mal (2013), O Babadook (2014), Corrente do Mal (2014) e Ao Cair da Noite (2017), acabaram ganhando espaço com narrativas mais arrojadas, roteiros inteligentes e diretores que pensam fora da caixinha.

Parte integrante desse segundo escalão de boas novidades, A Bruxa, cuja narrativa discorre sobre uma família da antiga Nova Inglaterra de 1630, que vai de desfazendo aos poucos devido a forças malignas da feitiçaria, magia negra e possessão, bebe um pouco da fonte de várias produções (A Vila, de M. Night Shyamalan, por exemplo, é uma delas), transformando sua história num conto de terror incômodo, com imagens paralisantes, repleto de simbolismos e discursos bíblicos. Aqui, sustos não surgem preocupados em satisfazer o espectador. O medo provocado vem em forma de diálogos extremistas, na crença excessiva em Deus e até mesmo numa simples brincadeira entre duas crianças e um bode.

Além do bode, identificado como Black Phillip, figura que passou a ser relacionada ao demônio e também a atos de sacrifício, a produção abusa de outros símbolos que pode passar despercebido, mas que são famosos no meio cinematográfico, principalmente quando a intenção é jogar com a religião. Ao longo da narrativa o público irá se deparar com a maçã, responsável por representar o desejo do personagem Caleb (Harvey Scrimshaw), menino em pleno amadurecimento, porém, que por falta de mulheres com as quais possa estabelecer uma conexão carnal, expressa através da irmã suas tentações. Ao mesmo tempo, a maçã acaba servindo como marca do pecado, uma clara referência à história de Adão e Eva.

“Obrigado Senhor por um filme de terror fora do convencional!”

Outros elementos aparecem durante a sessão, mas aí fica o dever de casa para o leitor tentar identifica-los e imaginar o que poderiam estar representando naquele contexto. O que fica evidente mesmo é a dinâmica que permeia o elenco. Em alguns casos, as atuações são preteridas pelos famigerados jump-scares (aquele susto que te faz pular da cadeira), o que não é o caso do casting de A Bruxa. Tanto Ralph Ineson quanto Kate Dickie, pai e mãe das crianças, respectivamente, exibem compromisso ferrenho com o terror. Por se apresentarem como duas pessoas cegamente fiéis aos ensinamentos cristãos, são eles que acabam sofrendo mais com a possível presença de um ser maligno, e demonstram esse sentimento de maneira genuína.

O mesmo pode se dizer de Anya Taylor-Joy (Fragmentado, 2017). A atriz confere a menina Thomasin uma pureza visível, contornada por um cinismo muito bem polido e quase imperceptível. Uma atuação que merece destaque, ainda mais dentro de um gênero em que não se dá tanto valor a esse quesito. E todas essas atuações não poderiam fluir se não se tivessem como base um roteiro bem amarrado e criativo, escrito por Robert Eggers. Na direção observadora e, por vezes, contemplativa, ele também consegue se sair bem. Embora tome algumas decisões questionáveis como, por exemplo, o fade in e out, que deixa a narrativa meio episódica e mais pausada, e para quem não curte um filminho mais parado, pode se decepcionar.

Despreocupado com relação a atender as convenções do gênero, A Bruxa chega com uma proposta bem definida para surpreender positivamente o público, perturbá-lo e mostrar a ele que um filme de horror nem sempre necessita de solavancos para se movimentar. Para o bem e para o mal, encare a Bruxa até o final.

NOTA: 8,5

Direção de Robert Eggers. Roteiro de Robert Eggers. Com Anya Taylor-Joy, Ralph Ineson, Kate Dickie, Harvey Scrimshaw, Ellie Grainger e Lucas Dawson.

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