O Show de Truman (1998): A mediocridade da sociedade revelada pelo show da vida

Soberano em cena, Jim Carrey brilha e revela o potencial para o dramático sob a direção afiada de Peter Weir, que faz do público seu espectador mais fiel

E se você descobrisse que sua vida inteira não passa de um reality show? (Foto: Imdb)

Conhecido pelo humor verbal e físico, Jim Carrey revela aqui seu dom para o drama em sua primeira defesa frente ao gênero. Após se firmar como um dos caras mais bem-sucedidos da comédia, graças a uma trinca de filmes (Ace Ventura: Um Detetive Diferente, O Máskara e Débi & Lóide: Dois Idiotas em Apuros), todos lançados no ano de 1994, em O Show de Truman, o ator faz uso moderado de sua veia cômica, porém, se revela para o drama em grande estilo, na condução perfeita de seu curioso personagem.

Na história, Carrey é Truman Burbank, um homem medíocre que vive o seu cotidiano como outro cidadão qualquer. Trabalha como vendedor/avaliador de seguros, tem uma linda esposa e uma relação aparentemente amigável com as pessoas com as quais esbarra no caminho para o trabalho. Mas, tudo muda quando ele começa a ter indícios de que toda a sua vida é na verdade um programa de televisão.

Em uma atuação cativante, Jim Carrey confere ao seu protagonista uma simplicidade palpável, ao mesmo tempo em que demonstra uma angústia crescente para encarar aquele mundo artificial. Testemunhas desse Big Brother, somos tragicamente atormentados durante o filme todo por saber que as pessoas, principalmente o seu melhor amigo, estão ali apenas representando ao passo que Truman vive o dia a dia e seus desabafos com verdade absoluta. Chega a ser irônico que sua lembrança mais vívida, aquela inesquecível, é fruto da única experiência social genuína que ele teve ao longo de sua vida dentro da cidade-bolha chamada Seaheaven Island.

O diretor Peter Weir transforma a câmera num olho pelo qual observamos Truman. (Foto: Imdb)

A crítica social embutida no argumento denso de Andrew Nicoll (O Senhor das Armas, 2005) aponta para um retrato triste, porém verídico daquilo que consumimos na TV, com foco nos reality shows e também os produtos apresentados em comerciais. Somos comparados a zumbis sedentos por uma boa fantasia. Apreciamos sermos enganados e não damos a mínima para o próximo. Deitados na sala, no ambiente de trabalho, tomando um banho, jantando ou bebendo…. Estamos sempre à procura de algo que satisfaça nosso desejo por algo que não temos.

Engraçado que o processo de imersão na narrativa se mostra uma experiência tão eficaz que, por vezes, nos leva ao mesmo comportamento dos próprios telespectadores que assistem a vida de Truman. Mérito da direção de Peter Weir (Sociedade dos Poetas Mortos, 1989)  que propõe a nós assistirmos ao filme por meio de uma câmera que simula o formato de um olho, e da montagem de William M. Anderson e Lee Smith que nos manipulam constantemente e nos fazem crer no falso, e quando estamos a ponto de aceitar, nos joga de volta para a realidade cruel do protagonista, vide a cena em que ele tem uma conversa com seu melhor amigo, que por sua vez está recebendo o texto por meio de um ponto eletrônico.

O Show de Truman é uma produção trágica, triste, e de certa maneira insana, que envolve o espectador, propõe ao mesmo se questionar e refletir desde o início até o fim, onde o mesmo somos recompensados com um momento de catarse libertador e digno de aplausos de nós e do público que acompanhou os quase 10913 dias de espetáculo.

NOTA: 10

Direção de Peter Weir. Roteiro de Andrew Niccol. Com Jim Carrey, Ed Harris, Laura Linney, Noah Emmerich e Paul Giamatti.

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